Neolamprologus Multifasciatus | Um guia detalhado para manter e criar os conchículas - Para Lá da Kapa

sábado, 23 de maio de 2020

Neolamprologus Multifasciatus | Um guia detalhado para manter e criar os conchículas


Classificação: Neolamprologus multifasciatus (Boulenger, 1906)
Alcunhas: multis
Distribuição: África, endémicos do Lago Tanganyka
Reprodução: fácil
Dimorfismo sexual: difícil quando jovens
Comportamento: muito bom com peixes que usem a parte de cima do aquário
Dieta: comem de tudo

Características da água & Habitat

No seu ambiente natural, os multis vivem no fundo do lago mais comprido do mundo, o Lago Tanganica. Eles habitam na sua costa, onde encontram areia macia e conchas vazias de Neothauma para eles habitarem. É verdade! Cada multi viverá na sua própria concha, onde irá descansar, esconder-se e procriar (tal como nós temos a nossa própria casa).

A água do lago costuma ter pH de 9 e temperaturas entre os 24 e os 29ºC. No aquário, os multis costumam ser muito versáteis, e eu aconselho os seguintes parâmetros:
pH — 7,8 a 9,5 (8,5 é o ideal)
GH — 10 a 20 dGH
kH — 4 a10 dKH
Temperature — 24 a 26ºC

Apesar dos parâmetros acima, os multis são dos peixes mais resistentes que já cuidei. É possível mantê-los em parâmetros bem diferentes dos ideais, mas eles não serão felizes. De início, por impossibilidade de ter água alcalina, tive a minha colónia a pH de 7,2. Qual foi o resultado? Eles jamais procriavam. Mal subi o pH, os filhotes começaram a aparecer (vou falar mais do assunto em breve). Outros parâmetros da água, como a temperatura e a dureza, são mais versáteis e podem ser ajustados de colónia a colónia.

Por último, há o requisito  mais importante para a vida de multi: as conchas! No Lago Tanganyika, as conchas são do caracol Neothauma, no entanto, eles não são tão exigentes. A primeira colónia que mantive foram com as conchas desse caracol, mas nas seguintes usei as conchas que tinha à disposição, como de caracóis normais ou até algumas mais elaboradas (como podem ver nas fotografias). Na escolha de conchas, evitem as bicudas (que podem ferir os multis) e as demasiado pequenas (que nada mais serão do que decoração). Se as conchas forem maiores, não se preocupem, eles não se importam (alguns dos meus até preferem!). Outro pormenor engraçado com que me deparei: os multis gostam de cocos e rochas com espaços para entrar e sair para um passeio aquático. Podes adicioná-los ao aquário dos multis se gostares (embora os cocos e os troncos de madeira possam diminuir um pouco o pH, o seu efeito não é significativo em grandes aquários ou em água naturalmente alcalina).

Só vivemos numa concha, mas queremos e PRECISAMOS de muitas!

Isso mesmo! O teu aquário deve ter, pelo menos, 2 conchas por multi (melhor se puderes arranjar mais). A distribuição das conchas também deve ser organizada. Por um lado, deves escolher uma zona do aquário para colocares as conchas de onde queres que a colónia se estabeleça. Separa as conchas uns centímetros uma das outras (se ficarem juntas, apenas um multi ou um casal de multis viverá nessa zona, apesar de apenas usar uma ou duas conchas). Podes colocar aglomerados de 3 ou 4 conchas em algumas zonas, de forma a que se um casal quiser estabelecer consiga fazê-lo. Já tive casais a viverem na mesma concha, mas, normalmente, gostam de viver em conchas diferentes, mas muito próximas (especialmente quando a fêmea tem alevinos).

Crias de Neolamprologus multifasciatus
Duas fêmeas a protegerem o território das suas conchas e dos seus alevinos.

É de salientar que deves colocar conchas noutras zonas do aquário, para se poderem formar novas colónias (caso os múltis sintam que é necessário) ou a nova colónia ficará sem-abrigo. Outra coisa que deves ter em mente é que, por mais que escolhas uma zona do aquário para ter a colónia, os multis podem escolher uma zona diferente para viverem, mesmo que implique menos conchas (nesse caso, podes deslocar algumas conchas do sítio que tinahs em mente).

Tamanho Máximo dos Multis & do seu Aquário

Os multis são os ciclídeos mais pequenos de que há registo, pelo que também são dos que precisam de menos espaço para viverem. Como gostam de viver em colónias, normalmente de 6 a 12 elementos e com um macho dominante (por norma, o maior). A certa altura, os machos menores acabam por atingir o tamanho do macho dominante e aí tendem a ser expulsos da colónia, podendo começar uma nova desde que haja conchas noutras zonas do aquário.

Assim, a dimensão mais importante do aquário não é a litragem, mas sim a largura e comprimento (os multis apenas usam a parte debaixo do aquário, pelo que a altura do mesmo não é relevante). No meu aquário de 200 litros, tenho uma colónia de 5 fêmeas e 1 macho a viver em 40cm x 35 cm com 12 alevinos. No entanto, recomendo um aquário maior, para que os parâmetros da água sejam mais estáveis e no caso de a colónia se dividir (o que irremediavelmente acontece com mais machos ou o aumento da colónia).

Areia, areia e mais areia — Somos ótimos escavadores!

Tu ouviste os multis: eles adoram escavar. Uma das suas características mais cativantes é precisamente o hobby de escavar. Qualquer multi saudável e que se preze gosta de agarrar a areia ou pequenas pedras à volta da sua concha e acumulá-las num sítio perto. Não se sabe ao certo porque fazem isso, embora eu desconfie que funcione como um segundo esconderijo além da concha. Por exemplo, todas as mamãs multis do meu aquário têm os bebés numa grande depressão de areia debaixo da sua concha durante o dia (à noite os bebés recolhem para dentro da concha da sua mãe).

Dito isto, é muito importante que o aquário tenha um substrato de areia macia ou de pequenas pedras que não firam os multis durante as suas escavações diárias. Recomendo um substrato de, pelo menos, 5 centímetros. No meu aquário, tenho uma camada de areia e pedrinhas naturais de 6-7 centímetros. No entanto, faço um alerta a substratos desta grossura: podem permitir que bactérias que não gostam de oxigénio cresçam no fundo e produzam compostos tóxicos para os peixes, como sulfureto de hidrogénio (H2S). É um risco que pode ser controlável, uma vez que o H2S só é tóxico se se acumular na areia e for libertado de repente. Ora, como os multis estão sempre a escavar (e muitas vezes escavam até ao fundo do aquário), a areia é regularmente aerada ei H2S não se acumula. Se quiserem ter um substrato como o meu e jogar pelo seguro, também podem adicionar caracóis como Melanoides tuberculata, que se enterram durante a areia durante o dia, levando o oxigénio para dentro da mesma. Para terminar com uma curiosidade, aquários com uma boa camada de areia têm a desvantagem de ser mais pesados e de terem uma camada de água menos alta (pouco importante para os multis), mas trazem o benefício de trazer bactérias que ajudam a regular os parâmetros da água e evitar a acumulação de NH3, No2- e No3- (amónia, nitrito e nitrato, respetivamente) e, desta forma, podem ser precisas menos trocas de água.

Dieta — Podemos não ser exigentes, mas ...

Em tudo os multis têm algo que se lhe diga. No que toca a alimentação, eles devoram tudo, desde comida granulada ou floculada a comida vida, como artémias e dáfnias. Eu alimento os meus com flocos normais e a comida especialmente concebida para os peixes do Lago Tanganyika da Tropical. Se também usarem esta comida da Tropical, hão de reparar que são em chips demasiado grandes para os multis engolirem e demasiado compactas para eles conseguirem morder e partir. Assim, o segredo está em desfazer os chips (eu faço-o fazendo pressão entre duas colheres) e depois dou-lhes os bocadinhos resultantes.

Algo que reparei quando adquiri os meus multis (das duas vezes que o fiz). Eles odeiam trocar de casa e, ao mudarem-se para o vosso aquário, podem parecer muito tímidos, pálidos e não se interessarem em comer. Não se preocupem se isso vos acontecer nos primeiros 4 ou 5 dias. Eles aguentam bem essa breve greve de fome (desde que saudáveis, claro) e, às escondidas, eu desconfio que eles lá arranjam o que comer. Algo que será muito pior é se deres comida a mais para se acumular no aquário e eles poderem comer quando não estiveres a ver. Isso irá piorar as condições da água e pode comprometer a saúde de todos os peixes (além disso, os multis não costumam procurar comida pela areia, apesar de viverem perto dela).

Comportamento & Compatibilidade com outros peixes

Como ciclídeos, não podemos esperar outra coisa dos multis do que peixes com atitude. Podem ser pequenos, mas defendem o seu território convictos e em grupo. Como já referi anteriormente, são peixes que habitam o fundo e meio do aquário, pelo que não deve haver problemas se tiverem peixes que apenas usem a parte superior do aquário (desde que o  aquário não tenha uma altura ridícula, como 20 centímetros, e cuidado com peixes frágeis e demasiados vistosos, como guppies machos).

Quanto a compatibilidade com outros ciclídeos, há opiniões contraditórias sobre se os multis devem ou não ser misturados com os seus compatriotas do Lago Tanganyika. Se o vosso aquário for largo e espaçoso, de 200 ou mais litros, a resposta é simples e fácil: podes ter outros pequenos conchículas ou rock dwellers, como Neolamprologus brichardi e as espécies mais pequenas e pacíficas de Julidochromis. Também podes tentar adicionar Cyprichromis, porém, estes peixes são rápidos e podem conseguir devorar a prole dos multis antes que eles consigam reagir (toda a colónia protegerá os seus alevinos, mas demoram um segundos a reagir aos intrusos, antes de entrar no modo veloz de defesa).

Em paralelo, estão à vontade para adicionar caracóis e camarões (estes últimos provavelmente serão devorados, mas pode valer a pena tentar). Quanto aos caracóis, podem ser uma ótima aquisição para ajudar a manter o aquário. Pessoalmente, mantenho Planorbis corneus e Melanoides tuberculata e garanto que são pacíficos, não tocam nos alevinos dos multis e não os assustam (embora possam devorar os seus ovos se conseguirem entrar na concha, mas os pais multis não costumam deixar). O mesmo não posso dizer de caracóis maiores, como as ampulárias (se quiseres experimentar e correr tudo bem, avisa. Nunca os tive com multis, mas já me disseram que podem intimidá-los).

Dimorfismo sexual & Tamanho

Esta parte vou atualizando à medida que for medindo os meus multis. Os machos são indubitavelmente mais largos do que as fêmeas (entre 4 e 5 centímetros versus 3 centímetros, respectivamente).
A distinção entre sexos não é fácil, especialmente quando são jovens. Se forem castanhas escuras, são fêmeas (infelizmente, são poucas as fêmeas assim tão evidentes). Os machos também costumam desenvolver uma barbatana anal ligeiramente mais comprida e menos junta ao corpo e barbatanas pélvicas mais pontiagudas e finas (quase todos os meus multis são distinguidos assim, contudo, há exceções). Há quem diga que também se pode distinguir o sexo pela cor das barbatanas. Eu discordo. Na minha colónia, tenho multis de barbatanas amarelas, azuis, cinzentas, laranjas, etc.

Sugiro que adquiras uma pequena colónia (pelo menos de 4 multis), para ser provável teres um casal e para testemunhares o fantástico que é o dia a dia da colónia.

Casal de Neolamprologus multifasciatus
Imagem com um dos meus casais (fêmea em baixo e macho em cima).

Sou apenas um macho, mas quero várias noivas!

Tão verdade! Os multis podem ser mantidos em casais, porém, se tiveres vários em um aquário o mais provável é que um macho domine sobre os restantes e faça um harém com a maioria das fêmeas. com a maioria das fêmeas. Por vezes, talvez para não ficarem sozinhos, os outros machos estabelecem colónias em que também há um macho dominante, e os outros vivem submissos nas suas conchas, a não ser na altura de comer (os multis deixam de ser tão territoriais durante a alimentação, de forma a que todos possam alimentar-se, mesmo de colónias distintas). No caso de teres vários machos, recomendo um aquário com, pelo menos, 80 centímetros de comprimento.

Reprodução

Há peixes que precisam de condições especiais ou de um incentivo para procriarem, no entanto, não é o caso dos multis. Desde que as condições da água sejam razoáveis, não estejam a ser assediados por peixes maiores ou muito agressivos e tenham conchas, eles prontamente irão desenvolver uma turma curiosa de alevinos. Como já referi anteriormente, os multis são ciclídeos com personalidade e resistentes, mas precisam de um período de adaptação. Por vezes, pode demorar semanas ou um par de meses para começar a procriarem. Em parte, porque as colónias podem demorar a estabelecerem-se ou porque já há multis juvenis. Eles demonstram uma certa inteligência e tenho notado que procriam menos quando têm pequenos multis (de 1 ou 2 centímetros) na colónia.

Se o tank em que tens/queres ter os multis é comunitário (com outras espécies de peixes), não deve haver problema. Os multis são ótimos pais e mais depressa se zangam entre eles do que lesam os seus pequenotes. No entanto, peixes rápidos que gostem de 'doces' podem aproveitar-se das crias.

Outro parâmetro que já mencionei e que é mesmo crucial para os mutlis querem procriar é o pH. Se for pH neutro, os multis podem estar bem, mas dificilmente quererão trazer descendência a uma água má para eles.

machos N. multifasciatus dominantes.
Um dos meus machos N. multifasciatus dominantes.


Quanto ao comportamento de acasalamento, a fêmea tentará atrair a atenção do macho para a sua concha, que pode estar enterrada até só se ver a sua entrada para se camuflar. Quando macho se mostra interessado, a fêmea deposita os ovos no interior da sua concha (nunca são visíveis) e o macho fertiliza-os. Depois, o macho apenas tem o papel acessório de proteger o território e os alevinos dos predadores. Quanto à fêmea, ela irá proteger a concha e os alevinos até estes conseguirem ser independentes.

Os machos podem procriar simultaneamente com várias fêmeas e podem ter uma favorita a que prestem especial atenção. Curiosamente, a última prole que a minha colónia teve parece ter sido dividida entre três fêmeas, em que uma ficou com 1 alevino, outra com 2 e a terceira com 9. É possível que tenham tido todas alevinos em simultâneo, embora seja incomum terem menos de 5 ou 6. Ao contrário de muitos ciclídeos, os multis costuma ter entre 6 a 12 alevinos por ninhada, provavelmente pelo seu tamanho reduzido, por viverem confinados numa concha e por serem tão bons pais que conseguem levar a maioria dos alevinos à vida adulta.

Uma das minhas fêmeas Neolamprologus mutlifasciatus com os seus 9 alevinos.

Quanto à alimentação, em aquários grandes os alevinos têm sempre pequenos alimentos para se nutrirem. Em paralelo, esmigalho melhor a comida que abordei acima da Tropical e, como tenho um bom filtro, as migalhas são espalhadas pelo aquário e os pequenotes conseguem aproveitar. É importante não exagerar na dose, ou pode haver um pico de nitritos/nitratos, de algas, caracóis ou outros problemas.

Alguns machos podem decidir devorar alguns alevinos se considerarem que a colónia está demasiado grande para o que ele consegue proteger. Tal como diz o ditado, é melhor ter um pássaro na mão do que dois a voar.

Como aumentar o pH do aquário? Cuidado com as manchas!

Há várias formas de aumentar o pH do aquário para quem não tem a sorte de ter água canalizada alcalina, como a adição de químicos comerciais (que, pessoalmente, não recomendo. São caros e podem ter consequências adversas) ou a adição de material calcárico (como areia, conchas e rochas, que sobem muito gradualmente o pH). Contudo, a forma mais eficiente, rápida e segura de atingir um pH de 8,5 - 9 é, provavelmente, comprar garrafões de água alcalina no supermercado. Desta forma, há certeza de a água ser limpa, ter boas concentrações de cálcio, magnésio e demais minerais importantes, pH elevado e a ausência de cloro (um contaminante indesejado mas necessário da água da torneira). Pessoalmente, uso uma mistura de água alcalina engarrafada com conchas e areia calcáricas. Não é dispendioso e é bastante eficiente.

Neolamprologus multifasciatus fêmea com manchas castanhas devido a uma carência de minerais.

Em contrapartida, aproveito para alertar sobre o uso de carvão ativado nos filtros dos aquários. Embora tenha diversos benefícios, desce o pH e retira os minerais da água, alguns dos quais são fundamentais para os multis. A sua deficiência pode levar a que estes desenvolvam buracos na cabeça e manchas castanhas, como podem ver na imagem acima. Para corrigir o problema antes que as feridas fiquem demasiado grandes e proporcionam uma infeção, basta trocar a água por uma rica em minerais, tirar o carbono ativo e a dar uma alimentação de qualidade aos multis (caso ainda não o estivesses a fazer). Cuidado para não confundir a doença com uma muito semelhante e também comum em ciclídeos que leva a buracos na cabeça, causada pelo parasita Hexamita intestinalis. Neste caso, o tratamento será com fármacos específicos, que apenas recomendo utilizar se houver certeza da doença (fármacos utilizados para o tratamento também afetam os micróbios benéficos do aquário, podendo desestabilizar o equilíbrio do mesmo). Outra causa para o défice de minerais na água pode ser uma infestação de caracóis (esgotam os minerais nas suas conchas, especialmente de cálcio).

Nós somos alevinos — pequenos, sonolentos e MUITO curiosos!

No que toca a alevinos, o mais provável é que te depares com eles quanto menos esperas. O acasalamento dos multis pode ser discreto, o macho continua a proteger as conchas da sua colónia tão bem como antes de acasalar e a maioria das fêmeas continuam a ser tão independentes e trabalhadoras. No entanto, não entres em pânico se, da noite para a manhã, deixares de ver os pequenotes, mesmo que já haja luz na divisão onde tens o aquário. Os alevinos acabaram de aprender a nadar e precisam de mais tempo para descansar do que os pais. Por isso, é normal e até bom sinal que não vejas os pequenos durante grande parte da manhã e à noite (mesmo que mantenhas a luz do aquário ligada).

Why I write these Diaries? — Over the past few years, I have known, raised and bred several aquarium species (such as cichlids, tetras, viviparous, shrimp and snails). Like any aquarist, I adapt to each situation that arises, be it an algae infestation or a problem with filtration. To each end, I studied the causes of the problem and the practices I could use to prevent it from rehappening in the future. As there is no better way to learn than with experience, I will share here the odd and curious situations I have faced over the years. 
I aim to pass on captivating, funny and enriching stories. Since English is not my mother tongue, overlook any mistakes I may write.

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